Contudo, a vida contemporânea nos trouxe um panorama muito diferente do desejado. Morre-se cada vez mais de doenças crônico-degenerativas, incuráveis, de curso gradual e progressivo e, em sua maioria, passíveis de prevenção.  O curso esperado de uma vida saudável que simplesmente se esvai  com a morte é quebrado quando o diagnóstico de uma doença incurável é feito.  Quando as pessoas adoecem, inúmeros questionamentos surgem: quais serão as manifestações da doença, como elas afetarão suas vidas, como precisarão se adaptar para seguir vivendo, quais as consequências para suas famílias, dentre outras.  Para muitos de nós,  é nesse momento que encaramos pela primeira vez o simples fato de que vamos morrer.

Pensar nisso, ainda que não seja agradável, pode nos aproximar ao máximo da idéia de  uma “boa morte”.  Mais do que isso, nos ajuda a definir  COMO QUEREMOS VIVER com a doença, visto que muitas das doenças degenerativas apresentam curso gradual e progressivo. Para que consigamos viver o mais próximo do normal possível, um conjunto de intervenções terapêuticas e de suporte devem ser instituidas de forma a preservar  nossa autonomia e dignidade, bem como oferecer apoio às pessoas que nos rodeiam.

É nesse contexto que surge um forte aliado, o testamento vital. Documento redigido pela própria pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, no qual ela declara sua vontade a cerca dos cuidados, tratamentos, procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade. É importante que esse documento seja de conhecimento do médico de confiança e dos familiares.

É também nesse momento que surgem os cuidados paliativos, abordagem que visa atenuar o sofrimento e oferecer qualidade de vida diante de uma doença ameaçadora da continuidade da vida. Recentemente reconhecida como área de atuação da medicina, essa abordagem ainda encontra resistência tanto entre os profissionais de saúde quanto na população geral, por ser ainda desconhecida e pouco difundida em nosso meio. Independende de qual seja o diagnóstico, seja qual for o prognóstico, havendo ameaça à continuidade da vida, há indicação de cuidados paliativos. Isto porque visam aliviar os problemas existentes, prevenir a ocorrência de novos problemas, complementar e ampliar o tratamento, bem como promover oportunidades para experiências significativas e valiosas, crescimento pessoal e espiritual e autorrealização.

Cuidados paliativos não são somente  para aqueles que estão em processo de fim de vida, mas sim qualquer cuidado para aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida ao longo da experiência da doença e do luto para que pacientes e seus familiares possam alcançar seu potencial pleno e viver mesmo quando estiverem morrendo.

Para morrer feito passarinho, nos dias de hoje, ao contrário de não pensar a morte, devemos pensá-la como o último ato da vida, ato do qual seremos certamente o ator principal e como tal podemos, de certa forma, exercermos nossa autonomia para ver cumprir o nosso desejo de voar, feito passarinho, além.